terça-feira, 14 de julho de 2009

as mulheres segundo paulo césar pereio

estive com paulo césar pereio em fevereiro de 2008 pra fazer uma reportagem na monet. pauta? a nova temporada de seu programa sem frescura. e pra dar uma apimentada a boa coincidência da estreia ser em março, o mês da mulher. pereio X mulheres, nitroglicerina pura. figuraça das mais instigantes, pereio mora na bela vista (bixiga), perto do centro paulistano, na cobertura de um prédio que tem seu próprio boteco-restaurante no térreo. a cobertura, na verdade, é um apartamento pequeno com uma grande e bagunçada área livre. tirei uns retratros também...


EU TE AMO, PORRA!

Um cafajeste elevado à última potência. Esta é a imagem clássica de Paulo César Pereio. Mas bastam alguns poucos minutos para o ator, um dos ícones do cinema brasileiro, revelar-se um admirador profundo do sexo oposto. Prestes a dar o pontapé inicial na quinta temporada do programa Sem Frescura, no Canal Brasil, Pereio recebeu a reportagem da MONET em seu apartamento paulistano com uma combinação curiosa de bermuda estampada típica de surfista, camisa de manga comprida e óculos iguais ao de James Dean, um de seus ídolos. Além de muito amor para dar. “Ultimamente radicalizei. Tenho muito mais amizade com mulheres que homens. Mulheres de ambos os sexos, inclusive. Antigamente tinha medo de mulher. Aquele medo do tesão, sabe? Mas aos poucos fui ficando mais sociável.”

Gaúcho de Alegrete, Pereio já passou por poucas e boas em seus 67 anos de vida e pouco mais de 50 de carreira. Bateu, apanhou, teve problemas com drogas, sobreviveu e hoje ama intensamente e ao seu modo a profissão de ator, suas mulheres e os quatro filhos de três relações diferentes. “Sempre fui tímido e exatamente por isso inverti a timidez com um comportamento performático.” Onde se lê performático podem ser colocados, dependendo do gosto do freguês, termos como cafajeste, maldito, grosseiro, iconoclasta ou louco. E assim um tanto do enigma Pereio, intempestivo personagem de si mesmo, é solucionado.

Sem saber mais onde termina o personagem e começa a pessoa física Paulo César de Campos Velho, o ator e apresentador discorre sobre o mês desses personagens que tanto ama. “Mas o ano inteiro é das mulheres! A gente é delas! Na verdade, estou me sentindo injustiçado porque [nós homens] não temos um dia.” Enquanto isso pede um cigarro após engolir rapidamente uma torrada de pão integral com queijo branco. Este é o homem que nas décadas de 1970 e 80 dividiu cenas picantes com símbolos sexuais da estatura de Sônia Braga, Vera Fisher, Kate Lyra, Adele Fátima e Monique Lafond, e não dormiu com nenhuma delas apesar de todo o folclore que sempre o cercou. É que estava apaixonado, simples assim. Primeiro pela atriz e jornalista Neila Tavares, mãe de sua única filha, Lara, 35, produtora e diretora do programa Sem Frescura. Depois pela atriz Cissa Guimarães, mãe de Thomaz, 29, e João, 24. Pereio ainda é pai do adolescente Gabriel, 16.

Para estas duas mulheres, Pereio escreveu cartas e bilhetes rebuscados de amor e devidamente compilados no livro Por que se mete, porra? Delicadezas de Paulo César Pereio (Editora Bispo, 2006). “Sou pouco hábil com palavras, do outro lado desta carta, de cabeça pra baixo, ou de cabeça pra cima, eu te amo, te odeio ou tudo é o mesmo”, disse para Neila. Enquanto isso, para Cissa, dise que “Amor, estas flores custaram uma nota preta. Que estejas linda, vibrante e feliz apenas por tua causa. Te amo”. O tempo passou e agora Pereio diz que “atualmente sou um solteiro radical, mas acho que ainda vou cair em alguma armadilha. Já caí na primeira, segunda, terceira, quarta e espero ainda cair na sétima”. Então solta uma gargalhada com sua voz inconfundível que invariavelmente cresce para enfatizar uma palavra ou um palavrão.




“Com homem sempre tive uma espécie de síndrome de desobediência automática, o que é um sintoma de loucura. Isso deve ter me prejudicado na vida porque qualquer ordem que surgisse imediatamente era desobedecida. Isso é um absurdo, não tem lógica nenhuma. Então, recentemente, comecei a sentir certa volúpia pela obediência. Obedecer é bom, mas prefiro obedecer às mulheres.” É bom que se diga que uma conversa com Pereio sempre toma rumos inesperados. Um assunto dá brecha para outros quatro que vão se desdobrando até o início se perder em alguma esquina do passado. Nestas digressões o ator confessa um de seus maiores prazeres. “Leio muito dicionário porque quero saber o que as palavras querem dizer. Sou cheio de complicação com palavras. Por exemplo, sempre impliquei com a palavra ‘respeito’. Desde criança. Respeitar a bandeira nacional! Que merda é essa? Respeitar os mais velhos! Aí fui olhar no dicionário e a primeira explicação para a palavra ‘respeitar’ é olhar muitas vezes para trás.” E foi assim que Pereio fez as pazes com o respeito.

A equação mulher e obediência acabou por lembrá-lo das eleições norte-americanas e o inescapável assunto de mulheres no poder. “Desde antes da Hillary Clinton se eleger senadora eu já dizia que ela seria presidente. Apesar de que o Barack Obama tá na cola dela. Agora essa história da mulher humanizar o poder... isso é anti-feminismo. É como se diminuísse a mulher. É como se ela fosse uma dona de casa do país e nunca uma estadista. E outra, o poder não tem gênero e pode corromper tanto homens quanto mulheres. Mas dou preferência às mulheres porque sou arbitrário mesmo”.

O telefone toca e é o filho Thomaz. O que se segue é uma conversa rápida com alguns “tudo bem” e “a gente se vê na sexta”, e termina com um alegre “axé babá!”. Enquanto o ator espera a definição para o começo de deus seus próximos filmes, Pereio tem passado os fins de semana no Rio de Janeiro, onde moram os filhos, em temporada com a peça Você Está Aqui. “Onde a gente estava mesmo? Essencialmente, a mulher não mudou em nada após a liberação. Se tolerou tantos séculos de rejeição e isolamento precisou aprender sozinha a buscar compensações. O que mudou foi, digamos assim, o cenário exterior”.

Essencialmente, Pereio também continua o mesmo. Ama de paixão o cinema brasileiro, desde as chanchadas até os documentários, e ainda a literatura, a filosofia, a sinuca, as artes plásticas, Nelson Rodrigues e os botecos. “O brasileiro tem certa vergonha de si próprio e das coisas que são feitas aqui. A chanchada, uma das raízes mais vigorosas do nosso cinema, é desprezada. As pornochanchadas também. Agora, é muito vulgar, muito comum, reclamar do lugar que se nasceu.”

Voltemos ao prato principal. Os homens são uns bocós? As mulheres são mais inteligentes? “A mulher é velocista. O homem, maratonista. Isso se refere até ao espermatozóide. O feminino chega antes e morre antes, vive apenas 24 horas. O do homem, mais devagar, vive até 48 horas. Talvez por isso os homens pareçam mais burros que as mulheres. Mas são apenas inteligências diferentes”.




Especialmente feliz com a nova temporada do Sem Frescura, o ator-apresentador vem conseguindo transportar para TV seu aguçado senso de improvisação (especialmente visível no filme Eu Te Amo de Arnaldo Jabor). É um artista que acredita no acaso e no erro, mas acima de tudo no fato de que as pessoas se revelam mais pelo que escondem do que pelo que dizem. Pereio fala bastante, porém é certeza que esconde muito mais.

Última pergunta. “A importância das mulheres na minha vida? Total. Estive, em alguns momentos, muito próximo da morte e sempre apareceu alguma mulher para me salvar. É isso, as mulheres salvaram minha vida.” E um silêncio cheio de memórias domina, mesmo que por apenas alguns segundos, os olhos de Pereio. Mas o personagem volta rapidamente e dispara. “Olha, até que é um bom final para sua matéria!”. De fato é.

p.s.: pra finalizar, um outro video estrelado por pereio e filmado em sua cobertura paulistana em 2007. é uma espécie de animação chamada pereio, debussy e o jogo de xadrez, da dupla caterina renaux e liliane stein.

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