sábado, 21 de janeiro de 2012

yahoo #24

olhaí a primeira coluna do yahoo no novo esquema semanal ultrapop. sobre esse sentimento que a gente vê por aí no brasil desde tempos imemoriais e que agora, nas janelas de comentários, ganhou ares de arte-bruta. o pessoal pegou mal, claro (aqui). esta semana já rolou o "bbb no dos outros é refresco" e vai saber o que mais pode aparecer por aí.




VIRA-LATA, UM COMPLEXO


Foi na década de 1950, e por causa do futebol, que Nelson Rodrigues falou que o brasileiro sentia um tremendo complexo de vira-lata. A causa era a derrota da seleção para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950. A volta por cima veio com a vitória bela e histórica em 1958 (e em 1962 e 1970). Entre uma Copa e outra, o brasileiro se escondia pelos cantos, envergonhado da própria existência, “um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem”. Mas é claro que essas taças, e as outras duas que vieram depois, não curaram um complexo anterior e tão arraigado nas elites e classe média, e o ufanismo vazio e truculento dos militares também não ajudou muito. E assim muitas pessoas continuaram se lamentando aos berros que viviam num “país subdesenvolvido de merda” com um “povinho de merda”. Bom mesmo é lá fora, povo educado, transporte público de qualidade, mil anos de história e os parques, que parques.


O crescimento econômico dos últimos dez anos criou uma nova classe média, mais dinheiro começou a entrar para mais gente que não os de sempre, e o Brasil passou a ser reconhecido internacionalmente para além de Carmen Miranda, Pelé e carnaval. Sem falar que receberemos uma nova Copa e a primeira edição das Olimpíadas na América do Sul, isto é, muito trabalho pela frente. Enfim, outros orgulhos foram tomando corpo a partir dessa, digamos assim, nova condição, essa nova ordem mundial. Mas não tem jeito, a manada dos descontentes segue na mesma toada de rejeição a tudo que for nosso, mestiço, fora do eixo.


Claro que não estou falando aqui de uma “obrigação de orgulho” ou um “agora, vai!”, muito pelo contrário, afinal o país continua radicalmente desigual e nossas políticas federais, estaduais, municipais e pessoais seguem viciadas em falsa cordialidade e toma lá, dá cá dos tempos da vovozinha. Ou como escreveu Caetano Veloso para Gal Costa cantar: “Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo / Mas a neurose de neguinho vem e estraga tudo”. Estou falando aqui, e cito palavras do colega James Cimino, de que é preciso “construir um orgulho que não precise de slogan”. Um orgulho que seja realista e construído diariamente, sem bandeiras, só vivência.





Lembrei novamente dessas vira-latices nacionais porque recentemente o cantor Michel Teló virou motivo de guerra virtual após o fenômeno de seu sucesso nacional e internacional virar capa da revista Época. Não vou tratar desse assunto aqui – colegas jornalistas como Alex Antunes, Luis Antônio Giron e o companheiro de Yahoo, Pedro Alexandre Sanches, já o fizeram com maestria – porque o que me deixou mais uma vez intrigado foi a repulsa sobre uma das teses da reportagem: Teló reflete os valores da cultura popular brasileira. “Não, não e não, que absurdo”, diziam batendo pé no chão e prendendo respiração. Era o bom e velho complexo de vira-lata em mais uma manifestação 2.0 (no ano passado, A Banda Mais Bonita da Cidade sentiu esse gostinho com as reações ao clipe de “Oração” e escrevi sobre isso na coluna “A banda mais coisinha-bebê do Brasil”).


É como se o Brasil fosse um quintal a ser explorado para conseguir uma graninha e se mudar para algum lugar da Europa, aquilo sim que é terra de gente, pensam os vira-latas. É como se orgulho – que é muito diferente de patriotismo - fosse falta de visão crítica. Muito diferente disso pensa Timpin Pinto, um cara que só não é do Nordeste ou do Norte porque nasceu no Rio Grande do Sul e mora em Curitiba. Dia desses ele soltou, no seu jeito apaixonado e hiperbólico de sempre, que “seremos o novo Império Cultural e que nosso Império será hedonista, lúdico, matriarcal e dionisíaco”. Não iria tão longe nessa animação toda, principalmente sobre a parte do Império, mas tenho certeza que enquanto ainda aprendemos como ser Nação e sociedade, e isso é aprendizado sem fim, podemos ensinar muito mais do que julga nossa vã vira-latice.


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