domingo, 18 de março de 2012

a serviço secreto de sua majestade, o sabiá

domingo passado, 11 de março, foi um daqueles dias sui generis. o michel blanco, lá do yahoo, tinha me passado umas semanas antes a pauta de cobrir a visita do príncipe harry, da monarquia de sua majestade elizabeth II, a um haras no interior paulista. e rolaria um jogo de polo para arrecadar fundos para a caridade e um tanto de gente fina, elegante e nada sincera. fui com a missão de tirar algo crítico e bem humorado desse evento que teria uma cobertura bastante oficial e cheia de dedos. isso foi fácil. mas é que naquelas sete horas fui uma redação de um homem só: motorista, repórter e fotógrafo. sim, me pediram para também tirar fotos e lá fui eu reativar um lado adormecido. dizer procês que às vezes foi difícil conciliar jornalismo e fotografia, afinal quando estou fotografando (e tinha esquecido disso) fico um pouco surdo. nada bom para um jornalista. mas deu tudo certo para ambas as partes e junto com o texto, aqui com as duas partes na íntegra e algumas revisões, seguem algumas das muitas fotos que tirei

o título dessa postagem foi o primeiro que pensei para esse trabalho. achei "genial" o mashup de 007 e jair rodrigues, mas depois caí na real, vi que estava um tantinho hermético e o deixei de lado pra poder resgatá-lo aqui no esforçado. já o título que saiu no yahoo é uma brincadeira com uma reportagem clássica de gay talese, "frank sinatra está resfriado" (1965), no qual o jornalista americano traçou um perfil do cantor sem conseguir entrevistá-lo. 


PRÍNCIPE HARRY NÃO ESTÁ RESFRIADO


Última checagem antes de partir. Mochila com máquina fotográfica, celular carregado, bloco de notas, caneta funcionando, cigarros, tudo ok. Pegar a Rodovia dos Bandeirantes até a saída para Monte Mor (SP), coisa de uns 114 km, dois pedágios. Mais uns 7 km até o Haras Larissa, sendo que os últimos 3 km em estrada de terra. “A entrada deverá ser feita pela portaria de serviço do Haras”, diz o comunicado à imprensa.

Chegando lá, por volta das 10 da manhã, a entrada de serviço se mostra um funil para, de um lado, a fila de carros e vans da imprensa e, do outro, os caminhões com os cavalos para o jogo de polo que terá o Príncipe Harry, filho caçula de Charles e Diana, como grande estrela. Seria uma ótima metáfora ter jornalistas e cavalos lutando por espaço nesse evento para poucos até uma das organizadoras falar com um segurança: “Segura aqui, por favor, que os cavalos precisam entrar antes”. Fica claro de quem é a preferência.

helicóptero é gado no haras larissa

Aumentando a confusão, um carro havia atolado numa vala, travando um dos sentidos da estrada de terra e nele três moças, fãs do Príncipe Harry, tentavam entrar sem credencial. “Você não tá entendendo! Quase bati a cabeça no vidro do carro. A gente precisa entrar!”, diz uma delas aos risos. Mas não adianta rir, muito menos chorar, pois os cavalos entraram e elas não têm a mínima chance (nem após tirarem o carro atoleiro). É que esse último dia de compromissos de Harry no Brasil não terá contato popular de nenhum tipo, muito diferente do furdunço festivo que aconteceu no Rio de Janeiro. Aqui, no Haras Larissa, tudo é exclusivo, para poucos, diferenciado. A nobreza agradece.

Enquanto um intenso vaivém de helicópteros ocorre ao lado do campo de pólo, os cerca de duzentos jornalistas credenciados vão tomando seus postos em uma área carinhosamente chamada pelos profissionais de “chiqueirinho”, tudo ao som de músicas do Queen ou versões jazzificadas de hits ingleses como “Can’t Buy Me Love”, dos Beatles. Deve ser para entrar no clima, mas o clima, na verdade, é de mormaço brabo, sendo que a única sombra possível é afastada dos acontecimentos e a água mais próxima (bem como refrigerantes e lanchinhos) fica ainda mais distante. “Nesses eventos o melhor é ser motorista”, suspira uma jornalista de salto alto no misto de grama e areia que cobre a área de imprensa.

câmera ao longe registrando a chegada dos helicópteros

Bem, hora de receber o cronograma dos acontecimentos futuros. Aproximadamente quinhentos convidados começarão a chegar a qualquer minuto e em uma hora e meia o Sr. Álvaro Coelho da Fonseca trará o Príncipe numa carruagem. Depois tem hino, apresentação dos jogadores e às 13h10 está previsto o início da partida entre as equipes de Sentebale e St. Regis, o que deve durar pouco mais de uma hora. Após a premiação da terceira edição do Sentebale Royal Salute Polo Cup, os jornalistas estão convidados a dar no pé, afinal o almoço de US$ 1000,00/convite não é para os seus bicos. O montante arrecadado não é divulgado pela comitiva do Príncipe, mas o dinheiro será doado para a Sentebale, organização criada por Harry para ajudar crianças carentes em Lesoto, pequeno país incrustrado dentro da África do Sul.

Esse será o lado beneficente da viagem de Harry pelo Brasil, pois na parada no Rio de Janeiro o objetivo era divulgar uma tal Campanha GREAT, “um convite para descobrir e compartilhar tudo o que torna o Reino Unido um país ainda mais grandioso em 2012, visto que o país celebra o Jubileu de Diamante da Rainha e é sede de um dos maiores eventos esportivos do mundo, as Olimpíadas”. Em outras palavras, mostrar para o Brasil uma série de possíveis investimentos e investidores ingleses, tal como a British Petroleum, responsável em 2010, no Golfo do México, por um dos maiores acidentes ecológicos da história, e que agora está de olho na exploração do pré-sal brasileiro. O cantor Morrissey, inglês como Sua Majestade, disse na semana passada, durante show no Rio de Janeiro, que Harry “veio pegar o dinheiro de vocês. Por favor, não o deem para ele”. É, não tem mais bobo na realeza.

vista parcial do querido chiqueirinho

O mormaço vai assando lentamente esse tanto de informações. Nada de cadeiras no chiqueirinho e nada de parar. Os primeiros convidados começam a chegar e passam lenta e orgulhosamente diante de um painel com os patrocinadores do evento. “Quem é essa aí?”, pergunta um fotógrafo. “Provavelmente ninguém”, responde outro. “Bem que podia ter uma plaquinha eletrônica pra identificar essas pessoas, heim?”, sugere, sonhadoramente, uma jornalista. Alguns casais passam mais rápido, ele de gel escorrendo na nuca, ela ansiosa para ser parada pelas câmeras, mas o desfile não pode parar rumo à área VIP e sua dança de bandejas com champanhe e whisky, vestidos esvoaçantes e um mar de chapéus panamá cedidos por um dos patrocinadores.

“As pessoas são o que são pelos seus acessórios”, comenta uma jornalista de revista de celebridades. Afirmação um tanto enigmática levando-se em conta que a mulher usa um crucifixo prateado gigante pendurado no pescoço combinando com uma bota de crocodilo. Mas a frase fica mesmo solta no ar, pois um frenesi toma conta dos fotógrafos com a chegada de outra estrela do evento, o playboy e jogador de polo profissional Rico Mansur. “Já joguei contra o Príncipe Harry em outra ocasião, em Nova York, e ganhei. Hoje não vai ter moleza não”, e estufa o peito e sorri magnânimo. No comunicado entregue à imprensa, o polo é descrito como o “esporte dos reis”. Rico Mansur acredita nisso. Faça chuva, faça sol, e mesmo sob esse mormaço.

rico mansur é recebido com confetes e serpentinas virtuais

De vez em quando, alguém importante é trazido para junto do cordão branco que cerca o chiqueirinho. Um gerente de marketing aqui, um CEO acolá, até que surge John Doddrell, o Cônsul Geral Britânico em São Paulo. “O dia de hoje é um momento muito importante para nós”, começa a explicar, em inglês mesmo, até que alguém gritou ao longe: “Olha a carruagem, o Príncipe tá chegando!”. Foi o que bastou para uma desabalada carreira de câmeras e blocos, enquanto o cônsul seguiu falando palavras de release para as três repórteres que permaneceram ao seu lado. Mas não, não era o Príncipe Harry. Ele só viria quatro carruagens depois.

gloria maria e fernanda motta, prontas para as câmeras

Ih, o príncipe chegou, jogou e partiu

Antes. Alguns minutos antes chegaram, em outra carruagem, a jornalista Glória Maria e a modelo Fernanda Motta, ambas também apresentadoras de TV. Tiraram de letra a difícil descida com salto, posaram cheias de dentes e abriram caminho para a atração principal. Então veio Príncipe Harry levando a sua carruagem ao lado de Álvaro Coelho da Fonseca. Nada de parar antes para fotos, nada de falar coisa alguma, nada disso. “Não podia ser mais devagar?”, lamentou uma fotógrafa. E lá se foi o nobre inglês para perto dos seus.

A essa altura do campeonato, a área VIP tinha gente saindo pelo ladrão, mas poucas pessoas eram cobiçadas para entrevistas. Uma delas certamente era a estilista Daniella Helayel, brasileira radicada há duas décadas na Inglaterra e uma das preferidas de Kate Middleton, cunhada de Harry. Depois de alguns gritinhos de duas repórteres, Daniella se aproxima da área de imprensa e, mais uma vez, recebe na lata alguma pergunta sobre como é vestir a nobreza ou algo próximo. Instantaneamente fecha a cara, dispara que não comenta sobre nada disso, vira as costas e dá no pé (devagar, afinal estamos falando de salto e grama). Tudo acontece tão rápido que as repórteres não tiveram tempo de reformular a pergunta, algo sobre a crise na Grécia ou a nomeação de um bispo como Ministro da Pesca. Ficaram lá, bocas e blocos abertos. “Um oferecimento Royal Salute, o whisky de luxo número 1 do mundo”, diz o comentarista do jogo que já vai começar logo após o hino.

olha a daniella helayel aí (a mais baixa) 

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas um jogo de quatro tempos de quinze minutos, quatro jogadores-cavalos pra cada lado, uma bolinha, um juiz-cavalo e um campo grande. “Que jogo disputado!”, diz o comentarista no melhor estilo Galvão Bueno de inflacionar expectativas. Mas não dá pra perceber nada disso. Corre para um lado, corre para outro, trombadas equinas ocasionais, faltas por terem passado a tal linha imaginária (seria um impedimento?) e de repente saem dois gols para o Sentebale, o time do Príncipe. “Vai, Corinthians”, grita um fotógrafo.

E então, momento tenso. O paquistanês Bash Kazi, do St. Regis, literalmente cai do cavalo e se estatela na grama. O príncipe, muito gente, é um dos primeiros a ir a seu socorro, enquanto o comentarista embarga a voz de preocupação e solta um “se tiver uma ambulância...”. Claro que tinha, estava ao lado do campo o tempo todo. Todo o processo de atendimento, com direito a substituição do paquistanês (entrou um Klabin em seu lugar), matou o segundo dos quatro tempos, mas quando o jogo recomeçou o St. Regis rapidamente conseguiu empatar. Teve até um “golaço”, dizem. No mais, Bash Kazi passa bem, obrigado.

existe algo de errado com o taco do príncipe?

Metade do jogo se foi e o placar está empatado em 2 a 2. Então a bola rola novamente e o comentarista decide então ser imparcial: “Infelizmente faltou um pouco de pontaria nessa jogada”. Pouco depois, ainda mais crítico, diz que tem “algo de errado com o taco do príncipe, está um pouco sem direção”. Olhares de consternação cruzam a área de imprensa. E agora?

E agora que o sol decide mostrar sua cara mais altiva e dissipa um pouco do mormaço com calor de verdade. Não consigo mais acompanhar o jogo na beira do campo e recuo até a sombra mais próxima onde, claro, não é possível ouvir a narração e nem saber o que está acontecendo no certame (quer dizer, só quando algum debochado fala “uhhhhhhh” no caso de uma bola que sai pela linha de fundo). E então, do nada, o placar de 2 a 2 se transforma em 3 a 2, 3 a 3 e, tcharam, 6 a 3, para o time do Príncipe Harry, que não fez um gol sequer, mas mostrou “disposição”, palavras do narrador.

colegas jornalistas de olho no "jogaço"

Rapidamente, um pódio é montado no gramado e uma grande área de exclusão é aberta e cercada por seguranças para impedir qualquer fã VIP ou jornalista enxerido de se aproximar de Sua Nobreza. Então, os prêmios são distribuídos por Fernanda Motta, a taça da Sentebale Royal Salute Polo Cup é levantada e o Príncipe Harry exibe orgulhoso um par de bochechas rosadas de calor.

os de camiseta azul clara são da equipe do príncipe e falando com ele o paquistanês que caiu do cavalo no início do jogo

Acabou e Harry segue direto, sem falar com ninguém, ao carro que o levará a trocar de roupa e se preparar para o almoço. No cardápio, picadinho na ponta da faca, pastel, couve, ravioli, brownie com sorvete de creme, tudo pré-aprovado pelo Palácio de Buckingham. Sinceramente, achei meio simples por 1000 dólares/cabeça, mas a nobreza pode achar exótico, vai saber. De qualquer forma, nada mais importa, pois é hora de ser tangido. Resolvo sair antes para evitar novo engarrafamento na estrada de terra e ao ligar o carro, pegando fogo ali parado, vejo que o tanque está na reserva e o posto mais próximo fica a 7 km na cidade de Sumaré (SP). Essa sim uma situação muito real.

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