sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

cheiro de floresta, luz de cidade

taí minha outra contribuição pra edição de fevereiro da revista da gol, uma entrevista com a cantora lia sophia. só lamentei que o chamado para a matéria tenha surgido poucos dias depois d'eu ter voltado de belém. teria sido ótimo entrevistá-la em casa (como sempre, o batepapo aqui tá maior do que o da revista). de resto, conversa ótima, divertida, super franca. lembro bem da minha primeira impressão quando ouvi lia cantando "ai, menina" no terruá pará: "se os mariozinhos rochas da globo fossem espertos de verdade pegavam essa música correndo pra colocar em trilha de novela". cerca de um ano depois lá estava lia embalando personagens globais. novos ventos talvez.


foto de luiz braga

A MENINA QUER CANTAR

Uma das revelações da nova música paraense, Lia Sophia emplacou música em novela e agora quer mostrar mais de sua mistura sonora de floresta e cidade

Ela surgiu no canto esquerdo do palco, girando e girando, toda de branco. Estava de saia rodada, claro, e todo o Auditório Ibirapuera, em São Paulo, parou para ouví-la cantar. Foi ali, na segunda edição do festival Terruá Pará, em junho de 2011, que uma das cantoras paraenses mais interessantes da atualidade foi apresentada ao eixo Rio-SP. Mas Lia Sophia não era uma estreante, longe disso.

Nascida na Guiana Francesa, criada em Macapá e formada e radicada em Belém, Lia Sophia já possuía três discos na bagagem – Livre (2005), Castelo de Luz (2008) e Amor Amor (2009) – quando decidiu explorar outros mares. E tudo deu muito certo, desde uma música em trilha de novela (“Ai, Menina” em Amor Eterno Amor), com direito a participação em um dos capítulos, muitos shows e chuvas de elogios da crítica especializada.

Essa música, aliás, será o carro-chefe de seu quarto álbum solo, que sairá ainda neste primeiro semestre com patrocínio da Natura Musical e produção de Félix Robatto (La Pupuña e Gaby Amarantos) em parceria com a própria cantora. “O disco tá ficando com um cheiro de floresta e com a luminosidade da cidade”, afirma Lia, que também compõe e toca violão desde os 9 anos de idade. Quem já conhece sua mistura de pop, mpb, música caribenha, carimbó, brega e guitarrada sabe que um dos discos do ano está prestes a nascer.



Você é de uma família de músicos, sua mãe foi cantora de rádio, e mesmo assim ganhar a vida com música não era visto com bons olhos em sua casa. Ao mesmo tempo você cantava em igreja e aprendeu a tocar violão. Qual era o receio deles?  Naquela época, o que era música pra você?
Na minha casa a música sempre esteve presente, com duas funções bem distintas, uma era a de louvar a Deus – caminho por onde eu e meus irmãos seguimos, na infância e adolescência, na igreja – e a outra era a de alegrar as festas que meus pais faziam em casa, e eram muitas [risos]. Não se ouvia música que não fosse pra dançar. Chico Buarque, Caetano Veloso, João Gilberto e Maria Bethânia, nem pensar! Até os meus 17 anos de idade, eu não conhecia esses artistas, até já tinha ouvido alguma coisa, mas muito pouco mesmo. Boleros, bregas, zouks, carimbós, merengues, era isso que rolava. Meus pais não viam na música uma profissão segura, rentável, temiam que eu ou meus irmãos nos perdêssemos nos bares da vida, sem ter uma segurança financeira. Ironicamente, comecei a aprender violão por imposição de minha mãe, que sempre quis tocar e nunca teve a chance de estudar. Eu não queria tocar violão, machucava os meus dedos, e tinha apenas 9, queria fazer outras coisas. Mas quando toquei a primeira música que aprendi ao violão (“Pobre Menina”, Leno e Lílian) recebi muitos elogios, aplausos, foi um momento mágico, me apaixonei. Daí por diante passei a dormir abraçada com o violão ouvindo a rádio e tentando tocar tudo o que ouvia. Nessa época, e ainda hoje, a música é pra mim, uma forma de me aproximar de Deus. Me faz estar próximo do que é divino. Tocar um instrumento, compor uma canção, cantá-la, me faz sentir divina, criando algo novo e único. 

Imagino que sua mudança pra Belém para fazer faculdade tenha sido libertadora. Como a música foi entrando na sua vida nessa época? Teve algo de revolta com a família ou foi mais tranquilo? O que fazia teus ouvidos na época?
A mudança pra Belém era uma necessidade, pois em Macapá os cursos universitários eram muito limitados, não havia muita opção.  Nesse momento não foi nada libertador pra mim. Belém era a cidade grande, onde eu não conhecia ninguém, teria que aprender a andar de ônibus, fazer minha própria comida, cuidar de mim e ainda provar que era capaz de passar em uma prova de vestibular onde a concorrência era de 25 pra 1! Foi na verdade apavorante! [risos] Só hoje eu consigo ver como foi libertador! Me formei em Psicologia pela UFPA [Universidade Federal do Pará] mas nunca atuei na área. É que a música sempre esteve na minha vida e a necessidade de independência acabou me levando pra esse caminho. Comecei tocando em bares, depois fui para dentro dos teatros, os discos vieram, os shows foram aumentando, essa paixão toda me dominando [risos]… e a música se tornou a minha profissão. Com a qual conquistei respeito, construí a minha vida, com a qual me mantenho, enfim ultrapassando os limites e quebrando todos os preconceitos que a mim foram impostos e ensinados. É claro que nesse novo caminho escolhido, logo no início, tive sim alguns estranhamentos com meus pais, eles não botavam fé, mas foram mudando de opinião com as minhas vitórias. Nessa época ouvia muito Chico Buarque, João Gilberto, Marisa Monte, Gal Costa, Caetano Veloso… isso tudo me ajudou a começar a compor minhas primeiras canções.   

Como você vê hoje, com cerca de 10 anos de carreira, esse seu começo? Foi fácil ou difícil, e como foi, construir sua própria personalidade musical? E o lado compositora?
Esse começo foi difícil. Tocar em bar não é fácil, embora seja uma super escola para um artista, os cachês são muito baixos, as condições de equipamentos de som são péssimas, o repertório tem que ser bastante eclético para agradar ao público, nem sempre se toca só o que se gosta… e tudo bem, aprendi muito nessa época. Aprendi a cantar com muita alegria e prazer, sempre, mesmo em condições adversas, aprendi a respeitar e a valorizar o público que me assiste, aprendi a ser profissional. A minha personalidade musical foi se construindo nesse caminho, as minhas influências musicais da infância foram se misturando as novas descobertas, e as minhas composições deixam bem claro isso. Hoje acho que estou vivendo um momento de maturidade musical. Sei muito bem o que quero compor, cantar, como quero que soe e me envolvo na produção do meu trabalho em todas as etapas. A composição é um trabalho diário, com o qual eu tendo ser bem disciplinada, tiro sempre 2 a 3 horas diárias para trabalhar compondo, não costumo viver dos momentos de inspiração, quando eles acontecem, ótimo, senão acontecem, trabalho do mesmo jeito.


lia no show coletivo "terruá pará"

Nos últimos anos, a música paraense se tornou a bola da vez em termos de sucesso e encantamento nacional. Como você acha que isso aconteceu? O que tem a música paraense de mais interessante? O que você mais gosta pessoalmente nela?
Uma série de fatores favoreceu a música paraense, entre eles, as leis de incentivo estadual e municipal, palcos de diversos festivais de música produzidos aqui e pelo Brasil onde esses artistas puderam expandir seus públicos, a autopropaganda na internet e suas redes sociais, etc. Mas acho que essa é uma construção de muitos anos, e fazem parte dela, artistas que mesmo não inseridos diretamente neste momento, ajudaram para que isso seja possível agora. Artistas como Pinduca, Fafá de Belém, Nilson Chaves, Banda Calypso, e muitos compositores de Brega dos anos 1980 e 90, que a muito custo e sem esses fatores acima citados conseguiram levar para o Brasil um pouco da diversidade da música paraense. O que tem de mais interessante na música produzida aqui é a diversidade. Diversidade de influências, de sonoridades, de ritmos. Somos influenciados pela música do Caribe, que desde os anos 50 chegava por aqui pelas ondas do rádio, como o merengue, o calypso, o zouk, pela música africana dos quilombolas como o lundu e o carimbo, pela música indígena, e mais recentemente a música eletrônica. O que mais gosto na música produzida no Pará é a possibilidade de subverter os conceitos e poder fazer música com liberdade. É possível misturar música clássica com carimbó, ou rock com brega, merengue com jazz, e tudo bem, a música feita aqui tem uma identidade única. 


lia e a conterrânea gaby amarantos

E como você vê essa geração que você faz parte e que tem tanto o pessoal que pode ser rotulado como MPB (você, Luê, Felipe Cordeiro, etc.), gente que veio das aparelhagens (Gaby Amarantos, Gang do Eletro) e gente da velha guarda (carimbó, guitarrada, Dona Onete)?
É difícil rotular a música produzida no Pará. É possível perceber um pouco da música de cada um misturada a música do outro, mesmo assim são trabalhos muito diferentes. O carimbó que eu faço é diferente do carimbó que a Dona Onete faz, assim como o tecnobrega da Gaby é diferente do que faz a Gang. 

Emplacar música em trilha sonora de novela da Globo muda a vida do artista? Como foi essa experiência?
Muda um pouco sim. É claro que toda a visibilidade que a novela traz dá muitas possibilidades para o artista divulgar o seu trabalho ainda melhor. Mas é claro que isso depende muita coisa. Se a música foi bem tocada na novela, se o artista está preparado, bem assessorado para aproveitar esse momento, se tem um trabalho sólido para mostrar a partir daí, se esse artista tem um público que mantenha os seus shows e a sua agenda, enfim, a novela é apenas mais um passo na carreira de qualquer artista. Para mim foi uma surpresa muito feliz ter uma música em uma novela. Segundo o diretor, minha música foi descoberta em uma rede social na internet, através da produção que fazia pesquisas para compor a trilha musical. Eu havia gravado a música “Ai, Menina” em um disco promocional que enviei para várias rádios públicas, jornalistas, produtores, festivais, além de colocar para download na internet. Acabei colhendo frutos incríveis! A música foi parar na novela e eu, em uma cena da novela cantando o carimbó que virou hit. A música está sendo tocando em diversas rádios do país, cantada pela Timbalada, Preta Gil, Gaby Amarantos, foi a música mais executada na quadra junina no Pará, enfim, uma benção pra mim. A propósito, tenho feito isso há anos. Envio pelos Correios os meus discos para um mailing de contatos que consegui juntar em todos esses anos de carreira, que vão desde jornalistas, produtores, revistas, rádios. Já cheguei a gastar quase 3 mil reais com postagem de correios de uma só vez, acreditando que essa semente frutificaria. E frutificou! Meus discos tocam em lugares pra onde nunca fui. Ainda. 



Como estão os preparativos de próximo disco solo? Quais as novidades e diferenças deste trabalho para os anteriores?
Esse será o quarto álbum, e está sendo produzido por Félix Robatto e co-produzido por mim. Deverá ser lançado até abril deste ano. Já estamos no processo final das gravações e depois partiremos para a mixagem e finalização. Esse disco vem com uma linguagem contemporânea que traz as raízes da música paraense em muitas de suas vertentes. A ideia é mostrar toda a latinidade amazônica de maneira moderna misturando várias influências rítmicas do carimbó, da guitarrada, do zouk, o marabaixo com pitadas de elementos eletrônicos. O álbum traz uma brasilidade própria da região norte e nova para o Brasil. O repertório é composto em 70% de composições minhas em parceria com outros artistas, mas terá também regravações nacionais e locais. O disco tá ficando com um cheiro de floresta e com a luminosidade da cidade.

p.s.: depois vi que lia reviveu seus tempos de barzinho em sua participação no programa som brasil (tv globo). o repertório? "a lua e eu" (cassiano), "noite do prazer" (brylho, com participação de cláudio zolli) e "bye bye tristeza" (sandra de sá).

Um comentário:

Ademir de Souza disse...

Bela matéria, saudações musicais,www.ademirdesouza.com