sábado, 13 de julho de 2013

é fácil seduzir rafael coutinho

ano de várias matérias cortando os ares do brasil. já rolaram umas cinco pra revista da gol (naldo e marcelo D2, por exemplo), uma pra tam nas nuvens e agora essa pra azul magazine. rafael coutinho foi sugestão minha e a conversa foi muito melhor do que imaginava. como sempre deixei a entrevista para depois das fotos - que ficaram a cargo de victor affaro -, o que deixa tudo mais relaxado, e fiz questão de falar pouco do pai laerte, pois rafael tem voz autoral muito forte para ser um mero "filho de...". agradecimentos a alexandre maron que me indicou e, acima de tudo, a patrick moraes, editor da azul magazine (sempre bom encontrar bons editores). ah, já publiquei aqui no esforçado a íntegra da entrevista.


RETRATO DE UM ARTISTA COM IDEIAS DE SOBRA

No alto da escada uma vira lata balança o rabo. Seu nome é Mexerica e ela é a responsável pelas boas vindas ao ateliê que Rafael Coutinho, 33, divide com outros amigos-artistas no bairro da Pompéia, Zona Oeste de São Paulo. Após receber as devidas carícias, Mexerica retorna à companhia do igualmente vira lata Pancho numa almofada ao lado da prancheta de Rafael. “Eles já eram namorados antes d’eu adotá-los”, relembra e logo pede para ninguém chegar perto da almofada. Pancho é muito protetor de seu território.

Filho de Laerte Coutinho, criador dos Piratas do Tietê e um dos maiores nomes do quadrinho nacional, Rafael tornou-se, em pouco mais de três anos, uma das grandes revelações do meio. Alguns já o conheciam de animações (trabalhou no premiado clipe “Chapa o côco”, do rapper Xis, e assinou curtas como “Aquele Cara”), outros de seu trabalho no coletivo de arte urbana Base V, e outros ainda de suas primeiras histórias em quadrinhos em coletâneas e revistas independentes como a Sociedade Radioativa. Mas a virada na sua carreira foi mesmo com o elogiado Cachalote (2010), livro em quadrinhos feito em parceria com o escritor Daniel Galera.

Não foi da noite para o dia que Rafael chegou ao ponto de Cachalote, e nem por um caminho só. “Na infância usava o desenho como ferramenta para impressionar professoras e amigos. Não era por timidez, sempre fui extrovertido, era mais porque já tinha uma facilidade. Era meu cartão de apresentação. Em matéria que não ia bem desenhava ao redor da prova e a professora achava bonitinho e me dava mais nota [risos]. Usei bastante esse artifício [risos].”

Na época do vestibular viu que aquela sua facilidade, estimulada discretamente pelo pai-amigo já conhecido, era a única opção possível. Optou por Artes Plásticas sem saber direito o que lhe esperava e muito menos se realmente queria ser artista. “Durante a faculdade entrei em um estúdio de animação ligado a uma editora e comecei a me acalmar. Foi ali que vi que algum resultado estava saindo”. Trabalhou em charges, no primeiro videoclipe (“Chapa o côco”) e em muitas outras animações até montar um estúdio de design e arte urbana experimental com amigos, o Base V.

“Sempre tive esse interesse em trabalhar em diversas plataformas. Em algum momento me foi passada a informação de que esse meu desejo não só não era um problema como poderia ser a minha salvação em momentos de crise. Mas entendi também que profissionalmente era preciso focar em alguma dessas mídias pra ser reconhecido. Só que nunca me fechei porque gosto mais das ideias que das mídias”. E as ideias de Rafael seguiam ganhando formas nas animações, em pinturas e, cada vez mais, em quadrinhos. “Eu me defino como me convém. Se estou numa roda com quadrinistas, sou um quadrinista. Se me veem como um pintor, sou um pintor. Não vejo necessidade em me definir tanto assim. Acho que a essa altura do campeonato, o trabalho me define. Acho que tem muita coisa pra ser testada e também me empolgo com facilidade com a ideia dos outros. É fácil me seduzir [risos]”.



Empolgado sempre, Rafael decidiu em 2008 sair do conforto do coletivo Base V em busca de sua própria voz autoral. Coincidentemente foi também quando conheceu Daniel Galera e nasceu o projeto de Cachalote. “É preciso deixar que a vida alimente a produção continuamente. Acho que existe um problema crônico nessa nova geração que já chega com muita violência no mercado antes de desenvolver essa relação entre a vida e o trabalho. O conselho que posso dar é ‘ouça sua voz autoral’ e isso é uma coisa muito pessoal. Não acho que sou maior ou melhor que ninguém porque produzo meu próprio trabalho. Sei o preço que pago por essas escolhas. Minha mulher sabe mais que ninguém [risos]. Mas é preciso escutar essa voz, esse latido do cachorro... se ele tá dizendo que você tem que matar, você tem que matar [risos]”.

Atualmente, Rafael Coutinho está ouvindo mais latidos que nunca. Após lançar o segundo volume de Beijo Adolescente, uma série de histórias curtas, ele está finalizando para o final do ano o ousado Mensur, sua primeira longa história em quadrinhos 100% autoral. Enquanto isso vai tocando a loja virtual e selo Narval Comix, procura uma nova galeria para lhe representar e prepara, como curador, três exposições que homenagearão o pai Laerte no segundo semestre. E pretende retomar Fogo Fácil, projeto que reúne cinema, fotos e pinturas. “Acho que desde 2008 não fiquei nem um período sem trabalho, e não é porque sou excepcional, é porque me sobra ideia mesmo”. Pancho e Mexerica não o deixam mentir.





SAIBA MAIS

No batente: Rafael Coutinho trabalha desde os 16 anos e antes de se tornar quadrinista, pintor, etc. assumiu funções como garçom em restaurante, vendedor de CDs em banquinhas de stand center e atendente de locadora de vídeos.

Ídolos nos quadrinhos: O norte-americano Jaime Hernandez (Love & Rockets), o espanhol Miguelanxo Prado (Mundo Cão), o japonês Taiyo Matsumoto (Tekkonkinkreet), o francês Cyril Pedrosa (Três Sombras) e, claro, o pai (“O trabalho dele me estimula e me deixa pasmo. É um artista impressionante, sensível, generoso”).

Ídolos no cinema: Os franceses Bruno Dumont (A Humanidade) e Jacques Audiard (O Profeta), a argentina Lucrecia Martel (O Pântano) e o norte-americano Paul Thomas Anderson (Sangue Negro).

Ídolos na pintura: O inglês David Hockney, o alemão naturalizado inglês Lucien Freud, o alemão Neo Rauch e o brasileiro Wesly Duke Lee.

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