terça-feira, 14 de março de 2017

nos ajude a entender, lázaro

já entrevistei muitas gentes nesses meus 17 anos de jornalismo, mas tem umas que são especiais pelo simples fato de que gostam mesmo de conversar. lázaro ramos certamente está nesse grupo. dez anos atrás o entrevistei junto com selton mello pruma matéria na revista monet [ed. globo] sobre o canal brasil. o tempo passou, saí da monet, fiz uma pá de coisas e agora, de volta ao mundo dos frilas, retornei também a querida monet e a lázaro ramos. a deixa era falar sobre os 12 anos de seu programa no canal brasil, o 'espelho' [estreia dia 27, 21h30], mas a deliciosa conversa - infelizmente, por telefone - foi além como tem que ser. a matéria saiu na edição de março deste ano da revista e segue aqui na versão "do autor" [brincadeira, afinal o pessoal da monet não mexe nos textos como certas publicações por aí]. 



ESPELHO, ESPELHO NOSSO

Lázaro Ramos gosta de conversar sobre qualquer assunto, mas tem um que lhe é particularmente especial. “O Espelho é o assunto que mais gosto de falar. Se me deixarem, fico horas. Sou muito apaixonado pelo programa”, afirmou durante longa entrevista por telefone. Não é pra menos. O programa criado e comandado pelo ator, e exibido pelo Canal Brasil, está completando 12 temporadas neste ano e recentemente ganhou o selo de “programa semanal de entrevistas mais longevo em atividade na TV a cabo”. Lázaro não disfarça o orgulho deste feito, e nem quer.

“O Espelho é um programa construído sob o signo da leveza. A gente não tinha pretensão de durar tanto. Só queríamos ser verdadeiros ao tratar de assuntos relevantes de uma forma agradável. Porque a gente sempre quis falar com mais pessoas e não ficar dentro da bolha de quem pensa como a gente”, diz com a humildade de quem, no final de 2017, terá colocado no ar nada menos que 291 episódios.



Para se ter uma ideia, a primeira temporada, lá em 2006, teve apenas cinco episódios e eram uma extensão das discussões levantadas pelo espetáculo Cabaret da Raça do Bando de Teatro Olodum, grupo que o transformou em ator nos anos 1990. Parecia arriscado falar especificamente de questões negras, mas qual não foi a surpresa de Lázaro e sua equipe quando a primeira temporada do programa se tornou a segunda maior audiência do Canal Brasil [perdeu apenas para as impagáveis pornochanchadas]. 

O começo da história do Espelho foi assim, uma surpresa. E elas continuaram acontecendo ano após ano. “Nesse princípio, e sem denominar, a gente já estava falando sobre representatividade, empoderamento e sororidade... palavras que hoje em dia estão na moda e inclusive já são discutidos na TV aberta em programas matinais. Isso é uma coisa que a equipe do Espelho e o Canal Brasil devem se orgulhar muito, pois demos voz a uma parcela de brasileiros que não estavam sendo escutados”, e lembra ainda que o programa foi o primeiro da TV brasileira a falar de “bullying”.

Esse pioneirismo espontâneo, aliado a um jeito agregador de Lázaro Ramos, também trouxe outros “furos” ao programa, tais como entrevistas exclusivas com figuras que nunca falam com a imprensa, desde o juiz Joaquim Barbosa [parte 1 e parte 2] até o produtor Celso Athayde. “Com o passar do tempo vi que dava pra ampliar. Claro que queremos continuar discutindo as questões negras, mas a gente busca novas vozes, novos pontos de vista e também outros assuntos que não tenham a ver com raça. E aí o programa foi ganhando outras dinâmicas. Eu sumi um pouco mais, e isso é uma coisa que gosto muito de fazer, ser mais um mestre de cerimônias, mais uma pessoa que concede o microfone muito do que alguém que fica falando muito. Pessoas já me disseram que sou um entrevistador que escuta. Não tinha pensado nisso. Foi mais uma intuição, não um planejamento”.

O que era um espelho que o ator, apresentador, produtor, escritor e diretor colocava diante das questões negras no Brasil passou a ser, no decorrer das temporadas, um espelho diante do Brasil, ou de alguns Brasis, mas passando sempre pela vivência e o olhar negro. “Não acho que o Espelho me fez mais ativista não. Essa voz que tenho no programa é a mesma desde meus 12 anos, é a mesma que tinha no trabalho no grupo de teatro do Olodum. Acho que quando fiquei mais conhecido foi por trabalhos que não tratavam dessa temática, mas essa é a minha história, é a minha voz, é meio que admitir quem eu sou: negro, nordestino, pai de duas crianças negras. Não sei ser outra coisa. Agora, sou muito feliz que consigo exercer essa militância, esse modo de ser, com alegria. Não quero nem me violentar deixando de ser quem sou e nem criar uma máscara pra mostrar outra coisa pras pessoas. Aprendi isso dentro de casa, com meus pais Seu Ivan e Dona Célia”.


Lázaro e Taís em 'Mister Brau'

Assim Espelho foi crescendo, tomando corpo, e paralelo a esse processo, Lázaro Ramos teve sua voz cada vez mais ouvida e se fazendo ouvir: escreveu livros infantis, fez novelas, séries de TV e filmes, dirigiu web-série [Do Outro Lado de Lá], clipe [“Vai dar ruim”, Dream Team do Passinho] e teatro. Ao lado da mulher, a atriz Taís Araújo, protagonizou sucessos recentes como a série Mister Brau e a peça O Topo da Montanha. Mas o Espelho, ah, o Espelho...

“O programa sempre foi um lugar de propagar ideias e hoje em dia muita gente faz isso também, mas sem conteúdo ou repetindo frases feitas achadas na internet. Então sei da responsabilidade que a gente que faz comunicação tem e, por causa disso, nos últimos anos, tenho ficado mais nervoso antes de algumas entrevistas ou assuntos. É que às vezes você pode falar alguma coisa que desagrade uma parte do seu público, e isso pode gerar consequências. Mas isso, que na verdade é uma autopatrulha, não me tira a coragem não. Continuo fazendo as perguntas, mas sei que ‘hummm, isso vai dar merda!’”.

Pode ser até que dê, Lázaro. Mas só o fato de você ouvir já nos ajuda a entender.



RETROVISOR

Relembrando as centenas de episódios das 11 temporadas anteriores de Espelho, Lázaro Ramos respirou fundo e, a duras penas, escolheu 5 que tem um lugar mais próximo do coração. Mas não sem antes brincar: “Podem ser 10?”. Sem ter mais pra onde fugir, pinçou a cobertura que fez na raça e na coragem da posse de Barack Obama no início de 2009, as experimentações de formato no encontro com Tom Zé, o bate bola com um dos entrevistadores mais experientes do jornalismo brasileiro [o saudoso Geneton Moraes], os improvisos mágicos no encontro com a cantora espanhola Concha Buika e o mergulho íntimo no passado de Seu Jorge.

O QUE VEM POR AÍ

Em sua décima segunda temporada [a partir de 27 de março, às 21h30], o Espelho ganhou uma novidade. É que no dia da gravação, o artista aparecia na timeline de seus seguidores nas redes sociais anunciando a atração da vez e pedindo perguntas. “Em algumas ocasiões mudei o foco da entrevista para acrescentar inquietações do público. Serviu como um termômetro”, afirmou. Dos 26 episódios do ano destacou os encontros com o ator Jesuíta Barbosa, com José Mariano Beltrame [em sua primeira entrevista após ter deixado o cargo de Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro], com as cantoras Liniker e Tássia Reis, e com as jovens ativistas Monique Evelle [Desabafo Social] e Murilo Araújo [Muro Pequeno].

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